quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Diferencial


A banda Yellow Dogs tinha tudo para me encantar. Aquela influência do lado punk que mais me agrada, guitarras barulhentas e dançantes e aquela refrescante memória de Talking Heads ou Joy Division. Já faziam um enorme sucesso na cena independente mundial, já haviam sido entrevistados para a CNN e participado do aclamado filme No One Knows About Persians Cats, sobre a repressão ao Rock no Irã. Sim, não bastavam serem roqueiros barulhentos, eles ainda gostavam de ser assim em Teerã, terra de um dos maiores regimes autoritários religiosos do mundo e que considerava o estilo da banda "prejudiciais ao Islã" segundo o Ministério da Cultura e Orientação Islâmica. Fugiram para os Estados Unidos em 2010 e lá permaneceram, fazendo seus shows e sendo relativamente conhecidos. Até que recentemente alguém (algumas notícias falam de compositor, outros de ex-integrante, o certo é que era alguém conhecido) enlouquece e mata metade da banda. Vizinhos relatam que ouviram pelo menos 50 tiros.
Escrevo estas linhas porque vi essa notícia primeiro no site do jornal 'O Globo'. Meu primeiro ato - antes mesmo de terminar de ler o texto - foi apertar o Ctrl + T e na nova aba procurar um clipe deles no You Tube. Veja bem, eles já eram conhecidos na cena independente, já tinham seus pés mesmo que pouco na grande mídia e eu - aquele cara meio orgulhoso de ter 80% de bandas independentes no iPod - precisou esperar que eles levassem um tiro para que eu no alto da minha arrogância fosse buscar o som deles como um coveiro procura dentes de ouro enterrados com os donos. A música nem havia acabado e eu já refletia sobre isso e me sentia culpado. Eles já estavam preparados para me agradar. Por que nunca ouvi antes?


A verdade é que a universalização do acesso não só à ferramentas de divulgação como de a produção fonográfica gerou um boom de bandas independentes. Elas sempre existiram, só que agora conseguem falar mais alto. Isso gera uma alienação pra fora com as gravadoras massificando poucos artistas como gera uma alienação pra dentro, com tantas bandas disputando esse livre porém saturado mercado, como urubus que chegam a dar cabeçadas uns nos outros na hora  de arrancar um naco da carniça. Nesse grande Mercadão de Madureira musical, não faltam bandas independentes boas, me faltam é Gigabytes o bastante. Quem ouvir? É aí que entra o diferencial.

Nossa sociedade (a humanidade no geral, talvez) é atraída pelo espetáculo, seja para o bem ou seja para o mal. Um acidente de carro pára o lado da Linha Vermelha em que ocorre, mas também provoca lentidão no outro, pois queremos assistir de camarote as pessoas presas nas ferragens. Uma ex minha comentou que não conseguia parar de ver o clipe de "Show das Poderosas" porque ficava impressionada com o tamanho do busto da Anitta. Fiquei pensando que curioso que num produto que preza essencialmente pela divulgação de uma música o que mais chamou a atenção não foi algo musical.

(Fiquei pensando também que curioso que nunca havia reparado que minha ex é meio lésbica, mas isso é outra história)

E é aí que as bandas se desdobram para chamar a atenção. Não existe nada de realmente novo no som do Teatro Mágico, mas se vestir e maquiar como se o mundo fosse um grande D.A. de Letras é o que chama mais público para ouvir - e gostar, pois é agradável - o som. A imagem chegou antes, assim como pra mim no caso do Yellow Dogs a tragédia chegou primeiro. Para conseguirem serem ouvidos por alguma gravadora, uma banda aqui de onde eu moro em 2000 (mentira que 2000 já foi a 13 anos atrás...) vestiu um anão de duende e duas modelos de mamães-noel, enfiou a trupe numa limosine e foram eles que entregaram de porta em porta o Demo da banda. Garantiram um contrato com a Universal. Sumiram da mídia tão rápido quanto, mas veja só, se destacaram no meio de 500 bandas iguais por um detalhe que não tem a ver com algo artístico.

E esse é o cenário que as bandas independentes tem que encarar atualmente. É preciso muito mais do que fazer boa música, é preciso encontrar o diferencial, o que chama a atenção para que você pegue o ouvido alheio desprevinido e possa enfiar acordes pra dentro. Ou esperar que o diferencial te encontre, como as balas do semiautomático que matou metade dos Yellow Dogs.

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